o soco para parar de falar
o remédio para parar de doer
questiono com acúmulo de sangue
no olho-fúria, no corpo-potência
hema-toma porrada, facada, tiro.
hema-toma resistência, sororidade, afeto.
na boca entra a palavra medo
da boca sai a palavra luta

poema de mentira

as fotos em preto e branco
não dizem a verdade sobre hoje

felizes, os dois entram no mar, até tomam caldos, 
mas se levantam e acenam sorridentes

queria eu não estar atolada nessas palavras 
que também não dizem a verdade sobre hoje

a vinda de Tamires

tamires disse que chegaria às dez, 
mas não veio, sequer avisou

fiquei na rodoviária
esperando o ônibus chegar

como quem se alia a 
esperança do minuto seguinte

como quem busca algo que salve 
essas conversas de ultimamente

nota

estou mais para poesia 
do que para conversas
é importante que tudo:
pessoas, falas, desejos,
manhãs infinitas, pás
saros, a vida e a morte 
me aconteçam em versos

atenção & simancol II

elza diz que quando 
grilo, o jardineiro,
souber o que é fedor
galinha vai ter dente
e usar sapato

todo minuto

abre a tela do antivírus
é preciso atualizar 
o programa, diz aqui

em frente aos meus olhos
pisca um pedido urgente 
de atualização da vida

é fundamental protegê-la 
de temidos vírus

de temidos
desperdícios de tempo

atenção & simancol

elza já não tem mais
pulmões tão ativos

fala tanto que a saliva
rega todo o jardim

o cigarro sempre a
quase cair dos dedos

a boca quase nunca  
dando espaço aos ouvidos

diariamente

acostumei a chegar em casa 
correndo fazer almoço
correndo ensaboar a pele
correndo vestir a roupa
correndo olhar no espelho 
dobrando um pouco os joelhos
para caber o corpo inteiro
menos os pés que estão
sempre a ponto de partir
para alimentar a alma
vender, morrer ou matar, 
que seja
o futuro sempre me deu medo

tenho sentido seu cheiro
tenho sentido dores de cabeça
à tarde e nas madrugadas também
tenho sentido as palavras chegarem
não mansas, mas como tornados
trabalhando pesado na composição
de frases que não
                  eeeee:
                  corta! próxima cena
é a tarde,
a filha diz:
mais para a direita, isso!
                   aí eee:
clique!
o pai sorriu amarelo bem em frente
ao monumento onde foi exposta a cabeça de Tiradentes
tá escrito lá
ninguém sabe o que é
mas todos acham bonito
que as fotos passem de mão em mão
que o tempo passe de mão em mão
como se tivéssemos algum domínio
como se coubessemos todos em pequenos tubos de ensaio