Explosões

todos os gatos saíram do poema
eu avisei
estão todos mortos aqui
Alice me espera na piscina
preciso sair depressa desse jardim
tropeçar nos gatos agora
seria o mesmo que apertar
errado o botãozinho de um 
jogo de campo minado

A vida de Clara

sinto uma pena horrível
de Clara:
ouve música alta
assiste muita tv
fala o tempo inteiro
desconhece o momento
sublime do silêncio

Tédio

tomo toda a água
desse copo ao meu lado
peguei no filtro hoje cedo
não me importo

vi mesmo que tinha uma 
coisinha boiando dentro
nadava mais do que eu
agora mora em mim

nada pode me fazer
mais mal do que ficar
nessa sala vendo a vida
acabar

O branco

falar 
sobre girassóis
em tarde tão cinza
palavras explo
dindo no céu da 
boca esse 
silêncio
pertubador 
uma quarta-feira 
qualquer
até o nada
deva
gar
ir
virando poesia

Asteraceae

ontem mamãe e eu falamos 
de você ela perguntou 
de repente se lembrei de 
deixar as sementes de
girassol no banquinho da varanda
a essa hora já estão plantadas, 
respondi e apostei
bem no meio do canteiro
ele cavou um buraquinho
daqui a pouco vira flor
sinto vontade de ser esse amarelo 
íntimo e solitário que te invade 
pela sala vazia todas as manhãs

Plástico bolha

a vida dana a correr 
eu acho 
graça nas pessoas 
brincam de pega-pega
umas com as outras
de repente floresce o tédio
nos amores
eu queria ser
como ela
matar saudade
como quem aperta
as bolhas de um
plástico



Para Erika
Com cópia oculta para Karina B.

Novidade

dobro um papel ao meio e finjo 
estar de um lado não percebo
e você já está do outro
digo: você é atrevida aqui não 
é mais o seu lugar 

você solta aquela sua gargalhada 
e sua gargalhada solta pela vida
pode percorrer vários caminhos
até interromper o filme no Belas Artes 
rasteja até a tela e lá da frente emana sons histéricos 
todos se olham tentando entender 
o que está acontecendo 
vou verificar, diz o bilheteiro

ele desce as escadas sem pressa
percebe que todo o espaço  
está tomado por sua gargalhada
pensa: finalmente esse cinema 
saiu da rotina isso não acontece 
desde a invasão de libélulas

Vizinhança

você chega um pouco 
alterado e pede desculpas
pelos excessos da noite
perdeu o controle 
o do portão também
todos estão lá embaixo
tentando achar uma solução
precisa de uma chavinha
ninguém sabe cadê
só eu fico aqui em cima
feito uma criança com medo
te vigiando pelo olho mágico
as paredes se estreitando
você pequeno lá na frente
já nem sabe mais o que fala
só chora
eu sei que a qualquer momento 
você pode cair
eu preciso te ajudar

Isabela

eu queria agora
alguém para conversar ou para 
sem querer rasgar uns papéis
velhos que eu guardo na gaveta do 
meio da cômoda assim como você fazia ou 
só para pegar um copo d'água
mas que assim como você tomasse 
a metade dele no caminho
entre a cozinha e o quarto
onde eu esperaria vestido
de bermuda de ficar em casa
e meias de ficar em casa
mas você sabe como são
essas coisas e aí eu 
olho para essa sua foto que 
fica em cima dessa mesma 
cômoda onde ficam os mesmos papéis 
velhos na gaveta do meio e respiro 
desconsolado por saber que 
esse é o lugar mais perto
que você pode estar de mim hoje

Turbulência

essa minha cabeça que
não para de doer, você
disse, e me culpou por 
comer Mcdonald's aquela 
noite: um Bic Mac com 
batata e suco de uva,
por favor, moço
eu ouvia muda do outro
lado da linha você fazendo 
o pedido enquanto pensava
que logo chegaria o dia
que você me mataria de 
tanto amor

Inverno confusão

como tem passado
bem, sempre respondo
cintos cachecóis lenços
ficam dispostos na mesma 
parte do armário há anos
bem em cima de onde ficam os sapatos
preciso tirar tudo do lugar
para encontrar o par
nem me assusto mais com o bicho que está
andando dentro de mim há dias
preciso de um nome para ele
algo que seja diferente do tédio
pavoroso que venho sentindo
não vejo a hora de poder dizer 
a verdade 
nada mais do que a verdade
quando alguém me perguntar
como eu vou

Na contramão

caminhamos sempre no 
mesmo sentido para eu 
te ver indo embora
você sempre com muita
pressa sai desembestada
o juíz ainda nem atirou 
para o alto dando a partida
você queimou a largada
meu amor
corre corre corre
eu até diria que fica
bonita em movimento
sempre dividimos a mesma rua
mas em velocidades diferentes
eu poderia gritar e depois
te denunciar
-ela violou a regra
mas desta vez eu prefiro
ver quem chega e não quem
vai

Dia 5

daqui do décimo segundo
andar tudo vira novo
de um dia para o outro
esses dias apressados
aqui em cima não existem
daqui vejo a linha do horizonte
e me imagino dando um
passo e caindo 
queda livre desse mundo
olho aquela favela lá
na frente e vejo como
ela quase encosta no céu
depois dali não há quase nada
só algumas casas descendo 
em escadas e pessoas subindo
ajoelhadas tentando
chegar mais perto de deus

Chuva de poesia

pinga um ponto
no meu ombro
olhos assustados
para a poesia
se formando

Um não-lugar para ir

não ter um lugar 
é poder ter vários lugares
você pode dar o nome
que quiser para o que 
quiser essa cama 
por exemplo eu posso 
chamar de nossa e
esse coração eu posso 
até falar que é seu
o problema todo está n
que chamamos de amor