mudança de comportamento II


passei a ser um muro de lamentações
e preciso assumir minha dor agora:
- dói!
eu não sei o que em mim ainda sente.
temo viver dessa dor o resto dos meus dias e
ou até que minhas respirações incompletas
e forçadas
se esgotem de continuar.
o que eu preciso é apenas continuar
e continuar e continuar...
sentei num ponto da cidade
cheia de olhos esbugalhados e desatentos
e acendi um cigarro – entre tantos que passei a fumar.
uma garotinha de uniforme me olhava
e eu disse:
não fume: cigarro faz mal.
mas não ame,
principalmente. 

Necrólogo para o amor



Parei para te ver passar
como quem ultrapassa o vermelho
do medo
e o coração, de susto, salta pela boca.
Arregalei os olhos para o triz
que a melancolia se fez diante do meu corpo parado.
Vi que não há em mim nada mais
do que uma sepultura de amores
e tristezas
e uma vontade de que o corpo adormeça
nesse mesmo cemitério
de ossos que confessaram,
num domingo à tarde,
sentir amor.

Amor anticarnaval


Fui recolhendo o que deixamos pelo caminho desde o nosso primeiro encontro. Entre o maço de cigarros, o Cazuza, deixando a gente sempre tão down, e o seu prendedor de cabelos, que tinha ficado comigo na noite passada, tinha também uns olhos tristes, acostumados a sofrer por amor.
Ontem, eu te convidei pra vida.
Você não aceitou.

Erva-cidreira

Mais tarde vou tomar um chá e lembrar de você de cabelos soltos.
Mais tarde vou tomar um chá e olhar pra foto que te fiz sorrir.
Mais tarde vou tomar um chá e aprender João Bosco só pra te cantar.
Mais tarde vou tomar um chá e coragem pra te convidar pra jantar.
Agora, eu só vou te contar um segredo.
Tenho um amor dentro de mim que dorme um sono leve.
Você chega, ele acorda.
Não vai mais embora, por favor.

Poema canhoto



A casa toda cheira a café.
A casa toda ouve Chico.
O silêncio devora a casa toda.
Toda a casa grita.
Toda a casa te espera
com boca e olhos famintos.
Terça eu te vi e foi bom.
Quarta eu lembrei e foi bom.
Ontem, eu chorei.
Eu não sei se você gosta de café.
Eu não sei se você gosta de Chico.
Eu sei que você gosta de silêncio.
Solta os cabelos, menina,
e volta pra casa.